As Duas Mortes de El-Rei Dom Sebastião
Segundo o cronista Frei Bernardo da Cruz, que acompanhou a expedição ao norte de África: "... El Rei, tanto que se vio livre das mãos daquelles pagãos, deu em andar pera detraz, e se foi sahindo do campo e da batalha ..."
Neste ponto do texto do cronista ilustra a intenção clara do monarca em fugir do campo de batalha, no mesmo momento em que esta decorria. Dom Sebastião não era alguém que pretendesse combater até à última gota de sangue. Este passo mostra pelo menos que o rei queria escapar vivo ao combate.
"Luiz de Brito voltando os olhos para o caminho que elçrei tomara o vio hir hum pedão desviado, já sem haver mouro algum que o seguisse, nem apareceram outros adiante, que tão prestes o pudessem encontrar, pera lhe impedir o caminho que levava, que era mui distante do lugar aonde depois dizião que o acharão morto". O cronista cita uma testemunha ocular que viu o rei afastar-se da batalha e distanciar-se do inimigo, mas mais importante é a referência da distância que medeia entre este último avistamento e o local onde segundo o cronista "dizião que o acharão morto". O cronista insinua aqui que não crê que o cadáver encontrado e o corpo do rei fossem um só. Se o faz numa obra "oficial", facilmente se deduz qual o espirito reinante entre aqueles que tinham acompanhado o monarca na Campanha de África.
É sugestivo o relacionamento deste depoimento com o episódio do "embuçado de Arzila". Foi este o caso que na noite seguinte ao combate foram bater à porta da fortaleza fugitivos portugueses, pedindo entrada. A recusa ou hesitação dos de dentro foi vencida ante a declaraçção de estar ali El-Rei D.Sebastião (que seria o embuçado) conseguindo assim entrarem na praça de Arzila.
Neste ponto do texto do cronista ilustra a intenção clara do monarca em fugir do campo de batalha, no mesmo momento em que esta decorria. Dom Sebastião não era alguém que pretendesse combater até à última gota de sangue. Este passo mostra pelo menos que o rei queria escapar vivo ao combate.
"Luiz de Brito voltando os olhos para o caminho que elçrei tomara o vio hir hum pedão desviado, já sem haver mouro algum que o seguisse, nem apareceram outros adiante, que tão prestes o pudessem encontrar, pera lhe impedir o caminho que levava, que era mui distante do lugar aonde depois dizião que o acharão morto". O cronista cita uma testemunha ocular que viu o rei afastar-se da batalha e distanciar-se do inimigo, mas mais importante é a referência da distância que medeia entre este último avistamento e o local onde segundo o cronista "dizião que o acharão morto". O cronista insinua aqui que não crê que o cadáver encontrado e o corpo do rei fossem um só. Se o faz numa obra "oficial", facilmente se deduz qual o espirito reinante entre aqueles que tinham acompanhado o monarca na Campanha de África.
É sugestivo o relacionamento deste depoimento com o episódio do "embuçado de Arzila". Foi este o caso que na noite seguinte ao combate foram bater à porta da fortaleza fugitivos portugueses, pedindo entrada. A recusa ou hesitação dos de dentro foi vencida ante a declaraçção de estar ali El-Rei D.Sebastião (que seria o embuçado) conseguindo assim entrarem na praça de Arzila.
Foi dito que dali D. Sebastião pasçsou a um barco da esquadra que levantou ferro com destino à costa de Portugal. Pode tratarçse de apenas uma lenda, e mesmo que relate factos reais pode tratar-se de um grupo de fugitivos que para entrarem dentro das muralhas inventaram o embuste. Seja como for, D. Sebastião não chegou com toda a certeza a Portugal, nenhum dos que afirmaram ser o Desejado, como o "rei de Penamacor", um noviço carmelita; o "rei da Ericeira", um tal de Mateus Álvares; nem Gabriel de Espinosa, apresentaram provas definitivas de o serem. Quanto a Marco Túlio Catizone, muito embora Oliveira Marques negue liminarmente que fosse o monarca desaparecido, a verdade é que os textos que citamos mais abaixo nos transmitiram outra ideia.
Foi no ano de 1597 que chegou a Veneza um português que dizia ser o "Cavaleiro da Cruz" e que viria a dar muito que falar. Eis a sua história contada por ele próprio, a pedido dos poucos portugueses residentes na cidade que com ele logo contactaram.
Demoradamente instado o "Cavaleiro da Cruz" acabou por declarar ser D. Sebastião, e assim relatou o seu drama. Disse que, embora ferido, conseguira salvar-se, tendo sido acompanhado pelo duque de Aveiro, pelos condes de Redondo e de Sortelha, por Cristovão de Távora e ainda por outro fidalgo; que embarcara num navio em Arzila, que o conduziu ao Algarve; que não quis dar-se a conhecer "por lhe custar mais a afronta da derrota do que a perda do Trono, tendo resolvido correr o mundo com os seus companheiros." Nas nossas investigações não conseguimos determinar quais os nobres aqui referidos, mas o facto de um grupo acompanhar o rei concorda com a lenda do "embuçado de Arzila", assim como concorda o seu embarque nessa praça. Por outro lado, não é suspeito o facto destes nobres da alta nobreza acompanharem o monarca, visto que não seria provável que estes nobres tivessem abandonado o rei em alguma ocasião, excepto em caso de morte ou de impossibilidade absoluta, como o cronista refere que ele se "afastou" podemos crer que se afastou sózinho, mas essa seria uma leitura precipitada, com efeito, o grupo que comandou do exército, segundo a "Crónica de D. Sebastião" nunca deixou o monarca, e esse mesmo grupo pode ter acompanhado o rei no exílio.
O monarca teria entrado nalgumas guerras contra os infiéis no oriente da Europa e na Ásia, recebendo vários ferimentos e tencionando por fim recolher-se em penitência a um ermitério em companhia de um santo homem que por lá conhecera, e acabar aí a vida. Tendo confidenciado com o velho eremita a sua identidade, foi aconselhado por este a regressar à pátria. Resolveu então ir a Roma expôr a sua situação ao Papa. Como a sua estadia em Veneza tomasçse proporções de relevo, imediatamente se pôs em acção o embaixador do rei de Espanha pedindo ao doge a prisão do "Cavaleiro da Cruz" a pretexto de ser mais um falsário.
Em 1599, partindo de Roma, onde residia, e constando-lhe o que se passava, vai a Veneza o dominicano Frei Estevão de Sampaio com o fim de saber se o "Cavaleiro da Cruz" seria realmente D. Sebastião. Debalde o tentou porque, estando em Veneza, não lhe foi permitido avistar-se com o prisioneiro, mantido incomunicável. Em resultado vem a Portugal para obter os sinais físicos de identificação do sobeçrano, que lhe pediram, o que conseguiu do notário Tomé da Cruz.
Regressando à cidade dos doges foi de novo impedido de ver o prisioneiro português em resultado dos impedimentos conseguidos pelo embaixador de Espanha, sempre muito activo neste caso.
Movimentando cortes estrangeiras e implorando a ajuda da Igreja, volta a Roma, depois de novo a Veneza, para no fim de constantes recusas visitar em segredo o prisioneiro por especial favor do Doge.
A conclusão a que chegou Frei Estevão de Sampaio e que consta da carta dirigida ao Padre José Teixeira (protegido de Henrique IV de França) é que os sinais se verificavam exactamente no misterioso prisioneiro.
A conclusão a que chegou Frei Estevão de Sampaio e que consta da carta dirigida ao Padre José Teixeira (protegido de Henrique IV de França) é que os sinais se verificavam exactamente no misterioso prisioneiro.
Transcrevemos a carta: "o rei de Portugal está detido, como prisioneiro nesta cidade, há vinte e dois meses, por um julgamento secreto de Deus, que permitiu que tenha chegado aqui pobre, por ter sido roubado, mas esperando encontrar auxílio nesta república. O embaixador de Castela persegui-o vivamente persuadindo a Senhoria de que é um ladrão calabrês, o que ele prometia provar e imediatamente procedeu contra ele, conforme as informações do embaixador. Tem-no sepultado na prisão, sem o deixar ver nem o querer soltar, nem fazer algum acto de justiça... Juro-lhe, pela Paixão de Jesus Cristo, que ele é tão verdadeiramente o rei D. Sebastião como eu sou o Frei Estevão. Se isto não é assim, eu seja condenado não somente por mentiroso, mas por renegado, blasfemador e herético. Fiz grandes diligências em Portugal por este motivo. Fui lá e regressei. Soube secretamente que dos dezasseis sinais que tinha no seu corpo desde a infância, de que trouxe certificado autêntico de Portugal, ele os tem todos, sem falhar algum e sem contar as cicatrizes das feridas da batalha. "
De vital importância para este trabalho é esta carta. Na época, além do conhecimento pessoal, também se recorria ao método dos sinais. Tamanha coincidência não parece crível, e o facto de frei Estevão de Sampaio ter observado as cicatrizes no corpo do preso mostra que não se tratava de um simples embustor, mas de alguém que tinha combatido. Tais cicatrizes não as deve ter ganho na fatídica batalha mas nas peregrinações no Oriente, pois a "Crónica de D. Sebastião" não refere que o rei tenha sido ferido antes de ter fugido do campo de batalha. Por outro lado, o espírito de cruzada era forte na alma do monarca e não surpreende que depois de humilhado pela derrota tenha aliviado a sua consciência combatendo os muçulmanos no Oriente.
O certo é que ao fim de muitas tentativas de julgamento, e em consequência de 27 interrogatórios minuciosos a que foi sujeito, o senado da República de Veneza, convencido de que se tratava realmente do infortunado rei de Portugal, limitou-se inesperadamente a soltá-lo na noite de 15 de Dezembro de 1600 mas, receoso de complicações com o poder castelhano, pôs-lhe a condição de abandonar a cidade no prazo de 24 horas e os limites da República Veneziana no prazo de 3 dias. Se fosse um impostor e dado o peso de Espanha junto de Veneza, não parece crível que tivesse sido solto e muito menos que tivesse merecido 27 interrogatórios.
Da cidade adriática passou disfarççado para Itália, o que não o livrou de voltar a estar preso em Florença e Nápoles, sempre sob a perseguição de Madrid. "O conde de Lemos, vice-rei de Nápoles, teve com ele largas conferências, em que falaram das maiores particularidades relativas a duas embaixadas com que Filipe II o enviara a D. Sebastião. O conde ficou tão crente que ele era o próprio rei, que lhe suavizou muito a prisão, e à hora da morte disse a seu filho e sucessor: "Declaro que este homem é o verdadeiro Sebastião rei de Portugal."
Continuemos a transcrever, agora o seguinte e extraordinário episódio.
"O duque e a duqueza de Medina Sidonia quiserão vê-lo; e depois de larga conversação, Sebastião perguntou ao duque se ainda possuia uma espada que lhe dera quando passou a África. (...) O rei D. Sebastião, respondeu o duque, deu-me uma espada, que eu ainda conservo." E dizendo que a reconheceria, posto que fossem passados vinte e quatro anos, o duque mandou trazer doze espadas, as quais assim que D. Sebastião viu, disse que não vinha ali. O duque mandou trazer mais algumas, e tanto que D. Sebastião para ellas olhou, logo apontou para a mesma. "A duquesa, sua prima, perguntou Sebastião se ainda tinha o anel que lhe dera. A duqueza lho mostrou, elle o reconheceu e disse: "Este anel tem debaixo da pedra gravado o meo nome. Foi desencravado e achou-se efectivamente o que Sebastião dissera."
"O duque e a duqueza de Medina Sidonia quiserão vê-lo; e depois de larga conversação, Sebastião perguntou ao duque se ainda possuia uma espada que lhe dera quando passou a África. (...) O rei D. Sebastião, respondeu o duque, deu-me uma espada, que eu ainda conservo." E dizendo que a reconheceria, posto que fossem passados vinte e quatro anos, o duque mandou trazer doze espadas, as quais assim que D. Sebastião viu, disse que não vinha ali. O duque mandou trazer mais algumas, e tanto que D. Sebastião para ellas olhou, logo apontou para a mesma. "A duquesa, sua prima, perguntou Sebastião se ainda tinha o anel que lhe dera. A duqueza lho mostrou, elle o reconheceu e disse: "Este anel tem debaixo da pedra gravado o meo nome. Foi desencravado e achou-se efectivamente o que Sebastião dissera."
A par destes curiosos episódios de identificação temos os dos Três Breves Pontifícios, de sucessivos três Papas. O primeiro é de Clemente VII datado de 1598 e reza assim: "Clemente VIII, por divina providência servo dos servos de Deus: Saúde e paz em Jesus Christo Nosso Senhor, que de todos é verdadeiro remédio e salvação: Fazemos saber a todos os nossos filhos carísçsimos, que debaixo da protecção do Senhor virem com fervosa fé em especial aos do reino de Portugal, que o nosso mui amado filho D. Sebastião Rey de Portugal se apresentou pessoalmente n`esta Cúria Romana no Sacro palácio, fazendo-nos com muita instância e supplica o mandassemos meter na posse do seu reino de Portugal pois era o verdadeiro e legítimo Rey d`elle; que por peccados seus e juiso divino se perdera em África indo peleijar com El Rey Maluco na campo de Alcácere Quibir, e até agora estivera oculto e não quizera dar conta de si por meter tempo em meio dos males que succederam por seu conselho, e que para justificar ser o próprio estava prestes para dar toda a satisfação que lhe fosse pedida: E considerando nós o cazo, como somos juiz universal entre os príncipes cathólicos, mandamos por conselho dos cardeaes em conclave que apparecesse; e, feito, se fez examinar com muita miudeza como convinha a tal cazo de que se fizeram processos em várias naçons e no dito Reyno de Portugal por pessoas qualificadas, assim dos signaes do seu corpo, como de outros mais miudos do seu reino, ajunctando as partes por onde andou, e de sua vida e costumes, como outras particularidades importantes para a verdade ser mui claramente sabida, não nos fiando por uma só vez, mas por muitas, e por pessoas constituidas em dignidade sacerdotal, e por seculares titulares, do que se fizeram os processos que no Archivo desta curia se pozeram, e que uns e outros se conferiram a 23 de Dezembro de 1598".
O segundo Breve e do Papa seguinçte, Paulo V, sentenciado 19 anos depois de Clemente VIII, e que copiamos.
"Paulo V, Bispo de Roma, servo dos servos de Deus: Ao nosso mui amado filho Phelipe III. Rei de Hespanha, Saúde em Jesus Christo Nosso Senhor, que de todos é verdadeiro remédio e salvação: fazemos saber que por parte de El Rey D. Sebastião, que se dizia ser de Portugal, nos foi apresentada uma sentença Appostólica de nosso antecessor Clemente outavo, de que constou estar julgado pelo verdadeiro Rey e legítimo de Portugal, nos pedia humildemente mandássemos por nosso Núncio assim o declarasse para effeito de se lhe dar a posse pacifica, mandamos a vós Philipe III, Rey de Hespanha, em virtude da sancta obediência que dentro de nove mezes, depois da notificacão d'esta, largueis o dito Reyno de Portugal a seu legítimo successor D. Sebastião mui pacificamente sem efusão de sangue e sob pena de excommunhão maior lata sentêntia da maneira que está julgada: Dada em esta Cúria Romana sob o signal do Pescador a 17 de Março de 1617".
Terceiro Breve, do Papa Urbano VIII, este 32 anos depois do antecedente. D. Sebastião teria 76 anos de idade quando por esta última vez reclamou os seus direitos em Roma.
Eis o Texto do Breve: "Urbano VIII por Divina Providência Bispo de Roma, Servo dos Servos de Deus. A todos os arcebispos e Bispos e pessoas constituidas com dignidade que vivem debaixo do amparo da Igreja Cathólica, em especial aos do Reyno de Portugal e suas conquistas, saúde e paz em Jesus Christo nosso Salvador que de todos é verdadeiro remédio e salvação: Fazemos saber que por parte do nosso filho D. Sebastião Rey de Portugal nos foi aprezentado pessoalmente no Castello de Sancto Angelo duas sentenças de Clemente Outavo e Paulo Quinto nossos antecessores, ambas encorporadas, em que constava estar justificado largamente ser o próprio Rey e nesta conformidade estava sentenciado para lho largar Felipe III Rey de Hespanha, ao que não quiz nunca satisfazer; pedinçdoçnos agora tornassemos de novo a examinar os processos, e constando ser o próprio o mandassemos com effeito investir da posse do Reyno. Dada em esta Cúria Romana sob o signal do Pesçcador aos 20 de Outubro de 1630".
E então o testemunho de D. João de Castro (o neto do grande Vice-Rei da India) sobre o prisioneiro de Veneza? "Eu me obrigo desde aqui e respondo pelo Altíssimo até o fazer bom com todo o tormento em meu corpo como é verdade que é aquele Preso o verdadeiro Rei de Portugal Dom Sebastião."
Pelo que acima escrevemos, pelos documentos que citamos ficou-nos uma forte convicção de que o prisioneiro de Veneza seria de facto o rei português.
De especial peso temos os três Breves dos três papas e o ocorrido com o Conde de Lemos. Vimos como o rei quis fugir da batalha, vimos como o pode ter feito, e mencionamos a lenda do seu embarque em Arzila para a costa do Algarve. Vimos também como são numerosas as provas que indicam tratar-se realmente do nosso monarca desaparecido, desde a semelhança física, à presença de todos os sinais do monarca, a identificação da espada de entre doze outras, e o ainda mais convincente episódio do anel, são as provas que convenceram o tribunal veneziano, Frei Estevão Sampaio, o Conde de Lemos, e acima de tudo, os três Papas, estes estavam na posse de todos os daçdos, de todos os inquéritos e reuniam toda a informação reunida pelos restantes. Foi justamente na posse destes dados que emitiram estes Breves.
Conforme vimos, tudo indica que se tratasse efectivamente do nosso monarca desaparecido. Após três anos de permanência em Itália, o pretendente ao trono português acabou por ser aprisionado por agentes de Espanha e pouco depois executado juntamente com alguns dos partidário que conseguira reunir à sua volta.
Seria esta a segunda morte de el rei D. Sebastião...
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